sábado, 29 de janeiro de 2011

COMO DESENVOLVER O HÁBITO DA LEITURA DE POESIA EM SALA DE AULA

COMO DESENVOLVER O HÁBITO DA LEITURA DE POESIA
EM SALA DE AULA
Luciana Cláudia de Castro Olímpio1
A poesia sensibiliza qualquer ser humano.
É a fala da alma, do sentimento. E precisa
ser cultivada.
Afonso Romano de Sant’Ana
Mesmo sabendo da importância da poesia na vida dos seres humanos
como mostra acima Afonso Romano, muitas escolas esqueceram-
na, principalmente nas séries iniciais, dando mais espaços, entre
aspas, para coisas mais importantes e mais sérias, como também para
textos em prosa, privando os alunos dessa “experiência inigualável”,
conforme caracteriza Maria Helena Zancan Frantz (1998, p. 80)
Neste artigo, enfatiza-se a necessidade de educadores, principalmente
nas séries inicias, pois o aluno só cria hábito se for iniciada desde
de muito cedo, trabalharem com poesia na sala de aula ou fora dela.
O objetivo não é transformar os discentes em grandes escritores
de poemas, até porque precisa-se ter dom para esta arte, mas sim transformá-
los em leitores aptos a interpretar e compreender o que o poeta
quis transmitir em meio aos versos, além de propor que os educandos
não percam a poesia que nasce neles desde quando as mães cantavam
cantigas de ninar para que dormissem e depois quando brincavam de
cantigas de roda, adivinhas, trava línguas etc..
Com esse objetivo, proponho alternativas de trabalhos com poesia
e didáticas para implantação tanto no Ensino Fundamental como para
o Ensino Médio baseadas nas idéias dos escritores relacionados no
parágrafo abaixo.
Vários autores vêm pesquisando as questões da leitura e de trabalhos
de poesias em sala de aula como Pinheiro (2002), Micheletti
(2001), Frantz (1997), Cunha (1986) e investigam as dificuldades que
os alunos possuem de interpretar estes textos, não só pela falta do co-
1 Luciana Cláudia de Castro Olímpio é professora da rede estadual de ensino do Estado do
Ceará. Graduada e pós-graduada em Letras pela Universidade Estadual Vale do Acaraú(
UVA), em Sobral, sob a orientação do professor Vicente Martins.
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nhecimento prévio, mas também pelo pouco contato que eles têm com
a poesia.
METODOLOGIA
Atualmente, a prática da leitura de poesia está um pouco esquecida
nas escolas. Isso ocorre devido ao pouco contato, desde os primórdios
de sua formação, dos educadores de Língua Materna.
Está claro que a personalidade do professor e particularmente, seus hábitos
de leitura são importantíssimos para desenvolver os interesses e hábitos
de leitura nas crianças, sua própria educação também contribui de forma essencial
para a influência que ele exerce. (Banberger, 1986)
Sem trair o escritor estudado, posso afirmar que se o professor
não tiver um hábito de ler poemas e não se sensibilizar ao ler uma poesia,
dificilmente conseguirá despertar esse interesse em seus alunos como
afirma Cunha (1986, p. 95):
... se o professor não se sensibilizar com o poema, dificilmente conseguirá
emocionar seus alunos.
Sabidos de que a poesia é um dos gêneros literários mais distantes
da sala de aula, é preciso descobrir formas de familiarizar e de aproximar
as crianças e os jovens da poesia. E essa forma de familiarização
e aproximação deve ser feita com parcimônia e através de um planejamento
para evitar as várias afirmações de que os poemas são de difíceis
interpretações e entendimento.
Pinheiro (2002, p. 23) afirma que “a leitura do texto poético tem
peculiaridades e carece, portanto, de mais cuidados do que o texto me
prosa.”
Assim a poesia não é de difícil interpretação, apenas necessita de
mais cuidado e atenção para que ocorra um entendimento da mesma. A
aprendizagem da interpretação da poesia compreende o desenvolvimento
de coordenar conhecimentos dos vários sentidos que um texto
poético proporciona.
Uma forma para melhorar a aprendizagem é a aproximação constante
da poesia, como também a utilização do conhecimento prévio. O
conhecimento prévio engloba o conhecimento lingüístico, que abrange
desde o conhecimento sobre pronunciar o português, passando pelo conhecimento
de vocabulário e regras da língua, chegando até o conheci3
mento sobre o uso da língua. O conhecimento do texto, que se refere as
noções e conceitos sobre o texto, e, por último, o conhecimento de
mundo, que é adquirido informalmente através das experiências, do
convívio numa sociedade, cuja ativação, no momento oportuno, é também
essencial à compreensão de um poema.
Se estes conhecimentos não forem respeitados, o entendimento e
a compreensão do poema pode realmente ficar prejudicada, e assim,
como foi dito anteriormente, de difícil interpretação.
Como exemplo do que foi exposto no parágrafo anterior, coloco
excerto do poema “Balada do amor através das idades”, de Carlos
Drummond de Andrade (Cinco Estrelas, 2001, p. 26).
Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana
Troiana mas não Helena.
Saí do cavalo de pau
Para matar seu irmão.
Matei, brigamos, morremos.
(...)
Mas depois de mil peripécias,
Eu, herói da Paramount,
Te abraço, beijo e casamos.
A compreensão do poema acima pode ficar comprometida se o
leitor não tiver um dos conhecimentos acima citado. A poesia de
Drummond exige do discente um bom conhecimento de mundo e da
história para que ele entenda a poesia, pois nela é citado, de certa forma,
a Guerra de Tróia, os costumes romanos como também expõe o
nome de um dos mais poderosos estúdios de Hoolywood, dando referência
aos finais felizes dos filmes.
Para amenizar os problemas do distanciamento, de interpretação
e de compreensão poética, é necessário que o professor compreenda que
o ato de interpretar um poesia não pode ficar restrito a sua forma de apresentação
sobre uma página, ou seja, como ocorre a disposição das
palavras, dos versos, das rimas e das estrofes, e nem somente pelos
questionamentos apresentados nas atividades de interpretação propostas
pelos livros didáticos, pois as perguntas são impressionistas. Assim
afirma Micheletti (2001, p. 22):
Freqüentemente a interpretação textual dadas nos livros e materiais afins
tem um caráter ‘impressionista’, ou seja, o autor das questões propostas ou
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dos comentários, registram as suas intuições, as suas impressões sobre o texto.
É necessário ressaltar que o professor deve partir de uma leitura
poética do mundo, fazendo da poesia motivo de apreciação lúdica e de
motivação para a produção de intertextualidade ( relação existente entre
textos diversos, da mesma natureza ou de naturezas diferentes e entre o
texto e contexto) e de muitas outras formas de criar com seriedade, mas
brincando com palavras.
Segundo Elias José (2003, p. 11) , “vivemos rodeados de poesia”,
ou seja, poesia é tudo que nos cerca e que nos emociona quando tocamos,
ouvimos ou provamos, poesia é a nossa inspiração para viver a
vida.
Conforme Elias José (2003, p. 101), “ser poeta é um dom que exige
talento especial. Brincar de poesia é uma possibilidade aberta a
todos.”. Então, se todos podemos brincar de poesia, por que não trabalharmos
a poesia de forma lúdica?
Assim proponho atividades que oportunizem momentos lúdicos
aos alunos, tendo em vista exercícios de imaginação, de fantasia e de
criatividade e ao mesmo tempo mostrar a vida de uma forma mais poética,
com maior liberdade para construir seu conhecimento.
Todas as estratégias capazes de aguçar a sensibilidade da criança
e do adolescente para a poesia são válidas. É interessante para isso, que
a poesia seja freqüentemente trabalhada para que ocorra um interesse
por ela.
Um dos processos para o educador iniciar este trabalho, é ele fazer
uma sondagem para descobrir os temas de maior interesse dos alunos,
proporcionando uma maior participação. Este levantamento pode
ser de forma direta, através de pequenas fichas ou ouvindo e anotando
as temáticas preferidas dos alunos. Outro método é descobrir os filmes,
os programas de rádios e de televisão que mais gostam. Isso é necessário
para o professor saber que tipo de poesia pode levar para a sala de
aula. Vale ressaltar que cada sala tem um gosto diferente. No entanto
não se pode prender-se somente aos temas escolhidos pelos discentes. A
variedade e a novidade também são métodos eficazes para a aprendizagem.
Faz-se necessário, antes de iniciar as atividades poéticas, preparar
um ambiente adequado, principalmente nas séries iniciais, para que
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os alunos sintam-se a vontade para recitar e interpretar os textos poéticos.
Além de uma biblioteca agradável, ventilada, espaçosa e com um
acervo bem variado para que os estudantes possam escolher livremente
na prateleira o livro que quiser.
Trabalhar com poesia em pares é muito interessante. Este trabalho
é realizado de duas maneiras: primeiro, através da leitura da poesia,
depois são propostas as atividades interpretativas, nada de questões objetivas,
já que cada pessoa interpreta um texto de forma diferente, mas
de maneira coerente.As duplas conversam sobre o texto, analisam as
possibilidades possíveis e escrevem o que foi apreendido.
É através das diferenças individuais que a troca de experiências
vai sendo edificada, como também a partir da reflexão e da construção
social do conhecimento sustentada pela interação dos indivíduos envolvidos.
Essa interação entre os sujeitos é fundamental para o desenvolvimento
pessoal e social, pois ela busca transformar a realidade de cada
sujeito, mediante um sistema de trocas.
É proveitoso ressaltar também que construir um cantinho para fixar
vários tipos de poesia é um método eficaz para o incentivo da leitura
e interpretação poética, pois quanto mais se lê, mais se aprende e cria
o hábito da leitura não só de poesia como de outros tipos de textos.
Pinheiro (2002, p. 26) afirma que:
Improvisar um mural, onde os alunos, durante uma semana, um mês, ou
o ano todo colocam os versos de que mais gostam (...) de qualquer época ou
autor, são procedimentos que vão criando um ambiente (...) em que o prazer
de lê-la passa a tomar forma..
Não satisfeita ainda com as metodologias apresentadas, proponho
mais alguns métodos que são incentivadores para a prática da leitura
de poesia, como o momento poético, a poesia e as datas comemorativas
e a apresentação da poesia em forma de dança, desenho ou interpretação
teatral.
O primeiro, momento poético, é um artifício aplicado em sala de
aula, em que os estudantes, dispostos de forma bem a vontade, sentados
no chão ou em almofadões, se a escola possuir, uma música suave ao
fundo, recitam poesias de preferência pessoal, ligadas, de preferência ao
momento literário estudado, buscando, junto aos colegas, descobrir a
mensagem transmitida pelo autor da poesia. O segundo, a poesia e as
datas comemorativas, apesar de ser bastante criticada, também é uma
forma proveitosa de aprender a gostar e interpretar a poesia. Como é o
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caso do dia 07 de Setembro em que os brasileiros mostram seu patriotismo
comemorando a independência do Brasil. O mestre pode trabalhar
a poesia de Gonçalves Dias, “Canção do Exílio” , fazendo primeiramente
uma leitura crítica, levando os discentes a observar a poesia e
fazer um paralelo da época em que a canção foi feita e se a terra natal
(Brasil) hoje é tão perfeita como apresenta Gonçalves Dias em sua poesia.
Trabalhar a poesia ligada as datas comemorativas só se torna enfadonho,
pouco proveitoso, sem criatividade e método empobrecido,
quando a poesia só é lembrada nestas datas.
O último método citado neste artigo, é a apresentação da poesia
em forma de dança, desenho ou interpretação teatral. Um exemplo do
primeiro, a dança pode ser representada pela poesia “A Bailarina”, de
Cecília Meireles, em que as crianças ou adolescentes podem formar um
grupo de dança, todas vestidas de bailarina, para interpretar corporalmente
a poesia abaixo que deve ser recitada por um outro estudante.
Não é obrigatório o professor trabalhar com esta poesia, ela pode ser
substituída por outra, tudo depende do docente ou dos alunos.
Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.
Não conhece nem dó nem ré
Mas sabe ficar na ponta do pé.
Não conhece nem mi nem fá
Mas inclina o corpo para cá e para lá.
Não conhece nem lá nem si
Mas fecha os olhos e sorrir.
Roda, roda, roda com os bracinhos no ar
E nem fica tonta nem sai do lugar.
Põe no cabelo uma estrela e um véu
E diz que caiu do céu.
Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.
Mas depois esquece todas as danças,
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E também quer dormir como as outras crianças.
No caso do desenho, ótimo método para se trabalhar tanto nas
aulas de Língua Portuguesa como nas de Artes. Os alunos em grupo
tentam interpretar a poesia lida através do desenho, para depois apresentar
aos colegas de sala para também ser analisada por eles. Depois os
desenhos podem ser colocados ao lado da poesia referente a cada um e
exposto em um mural em toda a escola ou só na sala de aula.
O “Soneto”, de Álvares de Azevedo, pode ser um exemplo para
ser apresentado em forma de teatro lido. O narrador representa o eu lírico,
lendo a poesia enquanto uma aluna representa a mulher recitada nos
versos.
Pálida, à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar! Na escuma fria.
Pela maré das águas embaladas,
Era um anjo entre nuvens d’alvorada
Que em sonhos se balançava e se esquecia!
Era mais bela! O seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando;
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!
Estas aulas anteriormente citadas são bem lúdicas. Os alunos aprendem
em grupo, de forma bem participativa, a interpretar e compreender
as poesias tendo contato com as idéias dos amigos de sala.
As poesias também podem ser trabalhadas como ajuda para produções
de textos, como é o caso das poesias de Manuel Bandeira, grande
escritor do Modernismo brasileiro, “O Bicho” ( retrata a desigualdade
social), “O Poema tirado de uma notícia de jornal (incentiva a produção
de uma narração relatando o cotidiano humilde das pessoas desprestigiadas
socialmente) e para finalizar, tem-se “Irene Preta” (retrata
o preconceito racial).
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Este trabalho exige que o aluno descubra qual o tema apresentado
na poesia, para depois escrever, de acordo com o gênero exigido, o
texto.
A poesia pode ser trabalhada não só nas aulas de Língua Portuguesa,
mas também nas aulas de História, Geografia e outras como é o
caso da poesia “A Rosa de Hiroxima”, de Vinícius de Moraes, que retrata
o triste acontecimento da explosão da bomba atômica em Hiroxima.
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor, sem perfume
Sem rosa sem nada
Esta poesia, como foi dito acima, pode ser trabalhada numa aula
de história, que o professor, através dos versos, pode explicar todo o
conteúdo desse aterrorizante acontecimento. Pode explicar, por exemplo,
por que o poema se chama A Rosa de Hiroxima, como também
explicar que os escritores modernistas transplantavam o momento vivido
para as poesias, como é o caso de Vinícius.
CONCLUSÃO
Os professores devem trabalhar poesias e textos poéticos com
seus alunos pois estes vêm sendo indicados como um dos meios mais
eficazes para o desenvolvimento das habilidades de percepção sensorial
da criança e do adolescente, do senso estético e de suas competências
leitoras e, conseqüentemente, simbólicas.
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A interação com a poesia é uma das responsáveis pelo desenvolvimento
pleno da capacidade lingüística da criança e do adolescente, através
do acesso e da familiaridade com a linguagem conotativa, e refinamento
da sensibilidade para a compreensão de si própria e do mundo,
o que faz deste tipo de linguagem uma ponte imprescindível entre o indivíduo
e a vida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL, Emília; ANTÔNIO, Severino; FERREIRA, Mauro; LEITE,
Ricardo. Novas palavras: Literatura Gramática, Redação e Leitura. São
Paulo: FTD, 1997 – Coleção Novas Palavras, V.2.
CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Literatura infantil: Teoria & Prática.
5ª ed. São Paulo: Ática, 1986.
FRANTZ, Maria Helena Zancan. O ensino da literatura nas séries iniciais.
2ª ed. Ijuí: Unijuí, 1997.
JOSÉ, Elias. A poesia pede passagem: um guia para levar a poesia às
escolas. São Paulo: Paulus, 2003.
In: MACHADO, Ana Maria. Cinco estrelas. Literatura em minha casa.
V.1. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
In: MICHELETTI, Guaraciaba (Coord.). Leitura e Construção do real:
o lugar da poesia e da ficção. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. (coleção
aprender e ensinar com textos, v. 4)
In: PINHEIRO, Helder; BANBERGER, Richard. Poesia na sala de aula.
2ª ed., João Pessoa: Idéia, 2002.

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